O matrimônio cristão baseia-se no gênero. O casal que se une por este vínculo é composto de homem e mulher, mutuamente complementares e capazes de gerar vida nova.
O amor conjugal tem sua base na natureza masculina e feminina. O sacramento une ambos por um vínculo indissolúvel. Como consequência brota a fidelidade de ambos a este amor único e exclusivo. Só ele é conjugal e só ele pode ser confirmado pelo sacramento. O que Deus uniu o homem não separa.
Mas este amor não é o único que existe entre as pessoas humanas. Dele brota o amor de pai e de mãe. Trata-se de um amor diferente, de responsabilidade, de educação, de carinho. Além disso, o amor conjugal não isola o casal nem a família num gueto. Cristo nos vem ensinar que o próximo é todo ser humano, que necessita de nosso afeto e de nossa ajuda. Veio alargar o horizonte do amor fraterno para a humanidade inteira, superando todas as barreiras de raça, cultura, nação, gênero, idade, religião...
O quinto mandamento da Lei de Deus manda preservar a vida humana. É formulado de modo absoluto: não matar. Nosso Senhor, encarnando-se, solidarizou-se com todo homem. Vem trazer algo de novo, até diria inaudito. Põe como base do relacionamento humano a misericórdia e o perdão. Manda amar os inimigos, fazer o bem e emprestar sem nada esperar em troca. E desafia seus discípulos que, se amarem somente os que os amam, não merecem recompensa especial. Isso também os pecadores fazem (cf. Lc 6,32).
O novo do Evangelho é o amor universal. Não basta não matar. É preciso amar. O quinto mandamento é sublimado: “amai-vos como eu vos amei”. E logo acrescenta, mandando rezar com este compromisso: “perdoai-nos assim como nós perdoamos”.
Todo este discurso seria incompreensível se não brotasse dos lábios do Salvador. Por isso Ele o dirige não aos afastados, mas aos que o seguem: “A vós que me escutais eu digo”(Lc 6,27). Sabe que pode contar conosco e fazer exigências que, sem o amor, que derrama em nossos corações pelo Espírito Santo, seriam impraticáveis e até inconcebíveis. S. Paulo, explicitando esta atitude, diz que tal como é o homem celeste assim também serão as pessoas celestes (cf 1 Cor 15,48).
A partir do Evangelho, ao qual aderimos pela fé e no qual fomos confirmados pela graça, amor de Deus derramado pelo Espírito Santo em nossos corações, somos instados a criar, no mundo, uma civilização do amor. Somos certamente desafiados de todos os lados. Facilmente caímos na tentação, que se traduz pela lei de talião: olho por olho e dente por dente. É mais humano ferver no ódio e reivindicar justiça, que se traduz por vingança, do que perdoar e reconciliar-se. Mas a verdade cristã, que verdadeiramente liberta, é que, com a medida com que medirmos os outros, seremos medidos também nós (cf Lc 6,38).
É certo que a misericórdia e o perdão, preconizados pelo Evangelho, não são humanos. São divinos. Mas não são igualmente desumanos. Pelo contrário: o Filho de Deus, fazendo-se homem, tornou a misericórdia também um apanágio da humanidade redimida: “sede misericordiosos como vosso Pai Celeste é misericordioso”(Lc 6,36). Sabemos, por experiência na condução das almas, que o perdão é a melhor e, muitas vezes, a única terapia para muitas doenças que, no fundo, são somatizações de ódio e desavenças não superadas. Tendo sofrido alguma injustiça ou contratempo, não se conseguiu passar por cima. A ferida, aberta pelo sentimento tenebroso do ódio, se vai aprofundando. Nenhum fármaco é capaz de curá-la. Somente o perdão, dado de todo coração. Perdão é vida nova e, para dizer tudo, é viver a presença do amor de Deus. É conhecer Deus por experiência.
Fonte! Jornal do Comércio de Porto Alegre (RS). Edição do dia 16 de dezembro de 2010, por Dom Dadeus Grings, Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre (foto), na coluna A Voz do Pastor - http://www.jornaldocomercio.com.br/.
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