sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Santa Maria e a dor da saudade

No dia 27 de janeiro de 2013, aconteceu, na cidade de Santa Maria, por imprudência e más condições de segurança, uma tragédia que vitimou 242 jovens, ferindo outros 116 e marcando para sempre um número considerável de famílias. A tragédia de Santa Maria ficará para sempre na história não só daquela cidade, mas também do Rio Grande do Sul e do Brasil. 

Com a divulgação das imagens e notícias a respeito daqueles fatos, subseguiram manifestações de diversas autoridades públicas, entidades, pessoas mais ou menos próximas às vítimas e suas famílias, organizações sociais etc. A partir de então, surgiram várias iniciativas e foram tomadas medidas com o objetivo de exigir maior segurança de locais destinados a eventos, festas, diversão com concentração de público. 

Tais iniciativas são certamente úteis, necessárias e urgentes. Existe, hoje, um consenso bastante vigoroso em torno do dever premente de se investir nesta causa. Infelizmente, somos vistos como o povo do “jeitinho”. Para tudo se encontra um jeitinho. Existe jeitinho para burlar as leis de trânsito, para passar de ano na escola, para, talvez, ter energia elétrica ou água sem estar registrado na rede. Jeitinho para conseguir esse ou aquele documento, para burlar o fisco, para tirar ganho desse ou daquele contrato – especialmente se estiver envolvido o bem público! Enfim, nós somos conhecidos pelo jeitinho brasileiro! 

Sem desrespeitar a memória dos que tombaram na tragédia de Santa Maria, sem desrespeitar as exigências legais necessárias e urgentes para promover a segurança de todos que frequentam espaços públicos e sem minimizar a seriedade da situação da segurança geral de nosso povo, reconhecemos, sim, que em tantas situações buscamos o famoso jeitinho. Não seria demais propor o engajamento decidido e determinado de todos na causa da segurança pública e na educação necessária para tanto. Esta certamente é uma causa que não pode ser delegada; cada cidadão de boa vontade precisa sentir, saber e aprender a própria responsabilidade. Não podemos esquecer as perdas irreparáveis causadas pela imprudência de alguns, o jeitinho de poucos e, talvez, a indiferença de outros. 

Respeitar a memória dos falecidos pode ser uma obra de misericórdia! Mas pode também ajudar a todos a resgatar um aspecto importante da convivência humana: o cuidado. Sim, precisamos, talvez, ainda aprender a cuidar uns dos outros e, ao mesmo tempo, nos deixar cuidar uns pelos outros. É verdade que o jovem quase que naturalmente busca aventuras, e que gosta, por vezes, de experiências extremas... Entretanto, não se pode desconsiderar princípios básicos, seja da própria natureza, seja da natureza em geral. Cuidar e nos deixar cuidar – eis o que nos compete!

A saudade é coisa bela e, ao mesmo tempo, triste. Bela porque expressa carinho, respeito, bem querença. Triste porque, por vezes, parece insaciável. A saudade deixa marcas! 

Diante da tragédia de Santa Maria, não foram poucas as famílias, os jovens, os cidadãos que ficaram marcados pela dor da saudade. Por isso, resta-nos, sim, o silêncio respeitoso – não a indiferença. 

Como sociedade, precisamos certamente expressar nossa solidariedade e, ao mesmo tempo, nos comprometer a trabalhar em prol do necessário para que tais tragédias não se repitam. Aos familiares dos jovens que sofreram as consequências daquele incêndio, expressamos palavras de conforto que nossa fé conserva: “para aqueles que creem, a vida não é tirada, mas transformada”. 


Fonte! Mensagem de Dom Jaime Spengler, Arcebisto de Porto Alegre, na coluna A Voz do Pastor, do Jornal do Comércio de Porto Alegre, edição do dia 23 de janeiro de 2013.